As Associações de Proteção Veicular em Debate.
Nos últimos anos, as associações de proteção veicular têm se consolidado como uma alternativa ao mercado de seguros tradicionais, atraindo consumidores interessados em custos mais baixos. No entanto, a atuação dessas entidades vem sendo questionada em virtude de sua conformidade com a legislação securitária brasileira. A decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), no Agravo de Instrumento nº 5035257-12.2024.4.04.0000/PR, traz importantes reflexões sobre o tema, sendo objeto desta análise.
Contexto do Caso
O processo teve origem em uma Ação Civil Pública ajuizada pela Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) contra a Associação Plural Car Brasil Clube de Benefícios. A SUSEP alegou que a associação oferecia proteção veicular com características típicas de contrato de seguro, sem autorização legal, infringindo o Decreto-Lei nº 73/66 e o artigo 757 do Código Civil.
Em sede liminar, o juízo de primeiro grau determinou a suspensão da comercialização dos serviços pela associação, a suspensão da cobrança de mensalidades e o envio de correspondência aos associados informando sobre a decisão. Diante disso, a associação interpôs o agravo de instrumento, alegando que tais medidas inviabilizariam a continuidade de suas atividades.
A Essência do Contrato de Seguro
O Código Civil define o contrato de seguro em seu artigo 757 como aquele pelo qual o segurador se obriga, mediante o pagamento de prêmio, a garantir interesse do segurado contra riscos predeterminados. A decisão do TRF4 ressaltou que, embora as associações de proteção veicular utilizem terminologias distintas, como “mensalidades” em vez de “prêmio” e “associados” em vez de “segurados”, a estrutura da relação contratual configura um seguro, com previsão de mutualismo, indenização em caso de sinistro e vistoria prévia.
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho definem o contrato de seguro como um negócio jurídico que visa à transferência de risco, sendo essencial o pagamento do prêmio para a formação de um fundo comum que garanta a solvência do sistema. Segundo os autores, a relação contratual deve primar pela segurança jurídica e pela proteção ao consumidor, exigindo regulação rigorosa.
Fundamentação Jurídica
O mercado de seguros no Brasil é regulado pelo Decreto-Lei nº 73/66, que estabelece que apenas sociedades anônimas ou cooperativas devidamente autorizadas pela SUSEP podem operar nesse segmento. Além disso, o artigo 113 do referido decreto prevê penalidades para aqueles que realizarem operações de seguro sem autorização.
O TRF4 destacou que a atuação da associação como seguradora, ainda que disfarçada sob a forma de mutualismo, configura concorrência desleal e viola os princípios do sistema securitário. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) também corrobora esse entendimento, conforme decidido no REsp 1616359/RJ, em que se reconheceu a necessidade de autorização legal para atividades tipicamente securitárias.
Decisão do TRF4
Ao analisar o agravo de instrumento, o relator ponderou os impactos da decisão de primeiro grau. Considerou que a suspensão imediata da cobrança de mensalidades comprometeria a continuidade da associação e inviabilizaria o cumprimento das obrigações já assumidas com seus associados.
Nesse sentido, o tribunal decidiu suspender parcialmente os efeitos da liminar, permitindo a manutenção dos contratos vigentes até o seu término e autorizando a cobrança das parcelas devidas. Todavia, vedou a renovação de contratos e novas adesões, alinhando-se à necessidade de proteção ao mercado regulado e aos consumidores.
Reflexões e Impactos
A decisão do TRF4 evidencia o desafio de compatibilizar a livre iniciativa e a liberdade associativa com a necessidade de regulação e proteção ao consumidor. As associações de proteção veicular devem reavaliar suas práticas, sob pena de serem enquadradas como operadoras ilegais de seguros.
Para os consumidores, a decisão reforça a importância de optar por entidades reguladas, que ofereçam garantias reais de cumprimento das obrigações. Por outro lado, para o setor securitário, a medida evita a concorrência desleal e fortalece a confiança no sistema.
Conclusão
O caso analisado destaca a relevância da regulação no mercado de seguros e a fiscalização exercida pela SUSEP. Além de proteger os consumidores, as medidas visam preservar a estabilidade do setor, garantindo que as empresas atuem de forma legal e transparente. A decisão do TRF4 equilibra os princípios da livre iniciativa com a necessidade de tutela dos direitos coletivos, servindo de precedente para casos semelhantes.
Fonte: AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5035257-12.2024.4.04.0000/PR – TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO.