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ASSOCIAÇÃO DE SOCORRO MÚTUO E A ATIPICIDADE PENAL DA ATIVIDADE SEM AUTORIZAÇÃO DA SUSEP

Uma análise jurídica sobre a distinção entre associações de socorro mútuo e atividades típicas de seguradoras.

 

O presente artigo analisa o Acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), no julgamento da Apelação Criminal nº 5001481-71.2020.4.03.6181/SP, envolvendo a absolvição de dirigentes de uma associação de proteção veicular, acusados de operar atividade de seguros sem a devida autorização da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP). Esse caso traz importantes reflexões sobre a relação entre o conceito jurídico de seguro e as atividades de socorro mútuo, amplamente difundidas no Brasil.

Contextualização do Caso

Os réus, dirigentes da Associação de Veículos Autônomos Nacional dos Transportes (AVANT), foram acusados de exercer atividades típicas de seguradora sem autorização legal, enquadrando-se no art. 16 da Lei nº 7.492/86. A denúncia sustentou que as atividades desenvolvidas pela associação reproduziam as características essenciais de uma operação de seguros, como mutualismo, incerteza e a existência de um fundo comum para ressarcimento de prejuízos.

Contudo, o TRF-3 manteve a absolvição dos acusados, concluindo que as atividades realizadas pela AVANT eram atípicas sob o prisma penal, dada sua natureza jurídica de associação civil sem fins lucrativos, conforme previsto no art. 53 do Código Civil. A decisão fundamentou-se no princípio da ausência de dolo específico de obtenção de lucro e na inexistência de impacto negativo sobre o sistema financeiro nacional.

Fundamentos Jurídicos

1. Atividade de Seguros e o Seguro Mútuo

A Lei nº 7.492/86 conceitua instituição financeira como a pessoa jurídica que, entre outras atividades, administra seguros ou recursos de terceiros (art. 1º, parágrafo único, inciso I). No entanto, o seguro mútuo, previsto no Código Civil de 1916, caracteriza-se por não ter finalidade lucrativa, sendo estruturado sobre bases de solidariedade e autogestão. Essa modalidade foi mantida pela Constituição Federal de 1988, que assegura a liberdade de associação sem interferência estatal (art. 5º, incisos XVII e XVIII).

A AVANT, constituída como associação civil, destinava-se exclusivamente ao rateio de prejuízos entre os associados, sem transferência de riscos para a entidade. Essa configuração distingue-se do seguro empresarial, cuja operação envolve contrato de adesão e objetivo lucrativo.

2. Mutualismo e Autogestão: Distinção entre Associação e Seguradora

O mutualismo, enquanto prática associativa, opera por meio de contribuições para cobrir prejuízos previamente apurados, diferindo do prêmio pago em contratos de seguro. Conforme doutrina de Orlando Gomes, o seguro mútuo não se confunde com contratos de seguro, uma vez que a divisão de riscos entre os associados elimina a separação entre segurador e segurado.

A jurisprudência reforça essa distinção, como apontado no Enunciado 185 da III Jornada de Direito Civil: “A disciplina dos seguros do Código Civil e as normas da previdência privada não impedem a formação de grupos restritos de ajuda mútua, caracterizados pela autogestão”.

Jurisprudência Comparada

Caso Similar no TRF-1

Em acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (Apelação Cível nº 0018423-62.2013.4.01.3500/GO), foi reafirmada a licitude de atividades de proteção veicular por associações sem fins lucrativos. A decisão destacou que o seguro mútuo, ao contrário do seguro mercantil, não transfere riscos à associação, sendo os prejuízos rateados entre os associados, conforme suas contribuições.

Posição do STJ

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se manifestou sobre a validade de associações de socorro mútuo, desde que respeitados os princípios da autogestão e da solidariedade, sem finalidade lucrativa e com transparência em suas operações. Em precedentes, o STJ ressalta que a ausência de finalidade econômica descaracteriza a natureza de atividade financeira regulada pela SUSEP.

Impactos do Caso na Regulação e no Direito Penal

A decisão do TRF-3 demonstra uma interpretação restritiva do tipo penal previsto no art. 16 da Lei nº 7.492/86, condicionando a tipicidade à demonstração de impacto financeiro significativo e intenção de lucro. Essa abordagem reafirma a importância de considerar a natureza jurídica das associações e suas práticas antes de imputar a prática de ilícitos penais.

Além disso, o caso contribui para o debate sobre a regulação de associações de proteção veicular. A ausência de regulamentação específica para essas entidades cria uma zona cinzenta, na qual a fiscalização pode ser equivocadamente equiparada à das seguradoras.

Reflexões Finais

A atividade de proteção veicular por associações civis, apesar de apresentar semelhanças com o seguro empresarial, constitui prática distinta, alicerçada na solidariedade e na autogestão. O reconhecimento da licitude dessas associações é fundamental para garantir o acesso de grupos de menor capacidade econômica a instrumentos de proteção patrimonial.

Decisões como a do TRF-3 reforçam a segurança jurídica necessária para a continuidade dessas associações, desde que observados os limites legais. Por outro lado, destaca-se a necessidade de regulamentação clara, a fim de evitar interpretações divergentes e fortalecer a confiança no sistema jurídico.

 

Fonte: Tribunal Regional Federal da 3ª Região TRF-3 -APELAÇÃO CRIMINAL: ApCrim 5001481-71.2020.4.03.6181 SP

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