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AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA POLÍTICA HUMANIZADORA DO PROCESSO PENAL

INTRODUÇÃO: Este estudo explora o conceito e os objetivos da audiência de custódia, um mecanismo que visa a humanização do processo penal. Tal procedimento, que é destacado em vários tratados internacionais sobre direitos humanos, exige que o detido seja prontamente levado perante um juiz para que a legalidade de sua detenção seja avaliada. 

Analisa-se também a incorporação desta prática nos marcos de proteção aos direitos humanos, com foco especial na jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Argumenta-se que o Brasil poderia ser responsabilizado por não cumprir os tratados internacionais que estabelecem essa prática, infringindo os direitos dos detidos. 

Nesse contexto, o texto examina a proposta do novo Código de Processo Penal e o Projeto de Lei 554/2011, que visam instituir a audiência de custódia no cenário nacional. Destaca-se ainda as iniciativas pioneiras do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) e o apoio do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a essa prática. O documento também discute a resistência à implementação da audiência de custódia como parte de uma “cultura do encarceramento” prevalecente no país, que favorece a utilização da prisão provisória como solução inicial no combate ao crime, em desacordo com os princípios de legalidade, necessidade e proporcionalidade. Conclui-se afirmando a importância da audiência de custódia para a proteção da integridade física e dignidade dos indivíduos detidos, enfatizando que tal prática deve ser promovida.

 

 

O QUE É A AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA?

É o encontro judicial preliminar, conhecido também como sessão de salvaguarda, constitui a etapa judicial inicial que confirma a salvaguarda de que todo indivíduo detido em ato flagrante possui (ou deveria possuir) perante o Estado, consistindo na sua apresentação direta e imediata ao magistrado (juiz, desembargador ou ministro) responsável, para a verificação da legalidade de sua detenção (conceito do exame judicial instantâneo). Neste encontro, o magistrado escutará diretamente o detido, além da acusação e da defesa, por meio do advogado criminalista, focando unicamente em aspectos que se relacionam de maneira direta ou indireta com a detenção e seus efeitos, à integridade física e mental do detido e a seus direitos. Após isso, emitirá um veredito justificado acerca da manutenção ou não da detenção.

Existe uma corrente, na qual nos filiamos,  que defende a aplicação deste procedimento a qualquer forma de detenção cautelar, argumentando que os tratados internacionais pertinentes não fazem tal distinção, e que, portanto, devem ser interpretados de maneira a expandir (princípio da máxima proteção da pessoa, ou pro homine), visando a total eficácia dos direitos humanos. Neste contexto, observa-se que tem como razão principal, aferir o tratamento dispensado ao preso pela autoridade policial, inclusive, aferindo não ter sofrido qualquer tipo de violência.

O indivíduo sujeito à sessão de salvaguarda preserva todos os seus direitos essenciais, incluindo, de forma destacada, o direito de se manter calado, caso assim o prefira (sem que tal escolha seja vista como prejudicial sob qualquer circunstância), e o direito de ser representado por um advogado nomeado ou da defensoria pública, que atuará de forma autônoma e independente,  tendo a possibilidade de conversar com o seu cliente em privacidade, por um período adequado (suficiente para uma exposição detalhada do caso e orientação apropriada) antes do evento.

 

QUAL A FINALIDADE DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA?

Distante de constituir um mero trâmite formal, a sessão de salvaguarda é reconhecida como uma ferramenta para a “humanização do processo criminal.”

Este encontro judicial representa o canal mais eficaz para permitir que o magistrado (I) examine os elementos formais do registro de detenção em flagrante, desfazendo qualquer detenção ilegítima; (II) inspecione pessoalmente se o detido sofreu abusos, tortura ou extorsão durante ou imediatamente após a captura por parte de agentes do estado (situação em que pode direcionar o processo ao Ministério Público e outros órgãos relevantes, como as corregedorias); e (III) facilite um contraditório inicial (um “espaço democrático para debate”) sobre (a) a viabilidade de conceder a liberdade provisória, com ou sem pagamento de fiança, realizado entre a promotoria e o advogado criminalista constituído (b) a imposição de medidas cautelares alternativas e, como última instância, (c) a avaliação da necessidade de transformar a detenção imediata (medida pré-cautelar) em prisão preventiva.

Portanto, é um meio de proteção da dignidade e dos direitos fundamentais da pessoa acusada, em especial – no âmbito do direito interno – dos direitos assegurados no artigo 5.º, incisos III, XXXV, XLIX, LV, LXII, LXIII, LXV, LXVI e LXXVIII da Constituição Federal de 1988. Ademais, é eficaz para concretizar o “contraditório prévio”, estabelecido após a reforma do sistema de medidas cautelares no direito processual penal brasileiro pela Lei 12.403/2011 (art. 282, § 3.º, do Código de Processo Penal).

A apresentação do detido perante o juiz protege de imediato sua integridade física e mental, com potencial para diminuir e esclarecer efetivamente as condutas ilegais por parte de agentes policiais, uma realidade lamentável ainda muito frequente no país. Foi essa a conclusão da Comissão Nacional da Verdade (CNV) em seu relatório final, ao recomendar a institucionalização da cerimônia, visando prevenir a tortura e as detenções ilegais.

Em vez de implicar uma desconfiança prévia nas ações policiais, tal procedimento, na verdade, valida ainda mais estas ações, conferindo transparência e confiabilidade à conduta dos agentes estatais e prevenindo possíveis invalidades processuais.

Também auxilia na compreensão dos eventos e circunstâncias que levaram à prisão (causa justa), possibilitando ao juiz decidir se a detenção não ocorreu, por exemplo, para coagir o detido a confessar, se não se trata de uma situação atípica ou coberta por excludentes de ilicitude ou culpabilidade, ou se existe alguma irregularidade que já torne imprópria a continuidade das investigações ou do processo.

Ainda permanece aberta a alternativa de o magistrado, durante a sessão, ponderar sobre a adequação da mediação penal com as vítimas, buscando evitar a transformação do conflito em processo judicial e contribuindo para o fomento de práticas de justiça restaurativa.

E não é só. 

A possibilidade de o magistrado considerar a aplicação da mediação penal com as vítimas durante a audiência não está descartada, visando prevenir a transformação do litígio em um processo judicial e promovendo a adoção de práticas de justiça restaurativa.

 

É viável também que o juiz providencie encaminhamentos de apoio ao detido, tratando de questões como problemas de saúde ou a necessidade de transferência para uma diferente instituição prisional.

Essencialmente, esta audiência assegura uma legitimidade ampliada ao procedimento decisório preliminar, superando a visão de ser meramente um trâmite burocrático em que o magistrado se limita a acolher as informações e os documentos do flagrante apresentados e a tomar decisões baseadas somente nos relatos da autoridade policial.

A adoção desta prática tem o potencial de contribuir significativamente para a diminuição da alta taxa de detenção provisória no país (42% do total de detentos, de acordo com dados recentes do Conselho Nacional de Justiça), aliviando a superlotação dos presídios e a escassez de vagas, o que pode resultar em melhorias nas condições de cumprimento das penas nas prisões e na redução de custos operacionais.

Reconhecendo a importância e a eficácia prática deste procedimento, o Ministro Gilmar Mendes, em seu voto durante o julgamento do HC 119.095/MG na Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, enfatizou: “Gostaria de destacar, Presidente, que este é um exemplo claro do abuso da detenção cautelar e, talvez, deveríamos – especialmente em casos de tráfico de drogas – começar a requerer,  conforme estabelecido na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, a apresentação obrigatória do detido perante o juiz. Parece-me que, se tais procedimentos fossem iniciados com essa apresentação, poderíamos evitar muitas dessas situações. É patente que não se justificava uma prisão preventiva neste caso. Como então classificar essa pessoa como traficante? E ainda assim, o juiz, neste processo, acaba por assumir o papel da polícia, fazendo acusações e, consequentemente, prolongando o processo. Portanto, parece necessário reagir a essa condição. Estou convencido de que precisamos responder a esse padrão de abusos”

CONCLUSÕES

Portanto, ainda que venham tardiamente e como resposta a uma necessidade urgente de diminuir a população prisional, as iniciativas que visam estabelecer a audiência de custódia no Brasil devem ser aceleradas e adotadas o mais rápido possível. 

A experiência prática revelará quais ajustes são necessários e a forma mais eficaz de realizar esse procedimento em cada unidade federativa. Contudo, o essencial é tomar a iniciativa, pois, apesar dos desafios, o impacto positivo dessa medida na proteção da integridade e dignidade dos detentos é indiscutível. Uma redução significativa do número de presos levará algum tempo para ser observada e avaliada de maneira precisa.

 

Em qualquer caso, essa mobilização será inútil se os profissionais do direito, especialmente os advogados criminalistas, não souberem como utilizar corretamente essa nova ferramenta, para tirar o máximo proveito dela em benefício do sistema acusatório. 

Cabe à defesa criminal elaborar a melhor estratégia para apresentar suas argumentações durante a audiência, orientando o detento sobre seus direitos de forma adequada. O Ministério Público, por sua vez, deve solicitar a imposição das medidas legais mais apropriadas ao caso em questão, visando a rápida aplicação da lei penal ou o afastamento da ação punitiva do Estado em situações que não a exijam, conforme o mandato de “defender a ordem jurídica, o regime democrático e interesses sociais e individuais indisponíveis” (art. 127 da CF/1988). 

Por último, cabe ao juiz conduzir a audiência de maneira imparcial, agindo como protetor dos direitos do detento (conforme a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, “o juiz é o guardião dos direitos de qualquer pessoa sob custódia do Estado, incumbindo-lhe a tarefa de prevenir ou cessar detenções ilegais ou arbitrárias”), tomando decisões que levem em consideração não apenas a aplicação estrita da lei, mas também os efeitos sociais e antropológicos do encarceramento. Isso enfatiza o aspecto humanitário do direito penal.

De alta relevância, a presença do Advogado Criminalista durante sua realização mostra-se absolutamente indispensável, sobretudo em razão da presença do defensor público, nomeado momento antes do ato pelo juiz, não se mostrar apta a formar o contraditório de forma plena, notadamente em razão do exíguo tempo que lhe foi destinado entre sua nomeação e sua atuação no processo e junto à família do preso.

 

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