Análise jurídica sobre o enquadramento das associações de proteção veicular no sistema legal brasileiro.
As associações de proteção veicular têm sido objeto de intensos debates jurídicos no Brasil. As discussões giram em torno do enquadramento dessas entidades, frequentemente acusadas de atuar como seguradoras sem autorização da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP). Este artigo aborda os principais aspectos da decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), em Recurso em Sentido Estrito nº 0007885-87.2016.4.01.3800/MG, destacando os fundamentos que garantem a legalidade desse modelo associativo.
1. O Caso Concreto
No caso analisado, o Ministério Público Federal (MPF) sustentou que os recorridos, administradores da Associação de Proteção Veicular APROTEVE, exerciam atividades típicas de seguradora sem a devida autorização da SUSEP. A denúncia foi rejeitada pelo juízo de primeiro grau, decisão que foi mantida pelo TRF-1.
O tribunal considerou que as associações de proteção veicular são regidas pelo princípio do mutualismo, fundamentado no rateio de prejuízos efetivamente ocorridos entre os associados. Diferentemente das seguradoras, essas associações não assumem riscos, mas promovem a gestão coletiva e colaborativa de despesas, o que não configura atividade securitária conforme o artigo 757 do Código Civil.
2. O Mutualismo em Perspectiva Jurídica
O mutualismo é uma prática que remonta ao Código Civil de 1916, consolidada como um contrato plurilateral em que os associados compartilham responsabilidades e despesas sem fins lucrativos. Apesar da ausência de menção específica no Código Civil de 2002, o mutualismo ainda encontra respaldo na liberdade de associação, prevista no artigo 5º, incisos XVII e XVIII, da Constituição Federal.
- Não há transferência de risco para uma entidade seguradora.
- Os valores pagos pelos associados não são prêmios, mas contribuições para despesas.
- Não há intenção lucrativa, diferentemente das seguradoras comerciais.
3. Enquadramento Legal
O artigo 1º da Lei 7.492/86, que regula os crimes contra o sistema financeiro nacional, estabelece que apenas entidades autorizadas podem captar recursos para gestão de seguros. No entanto, o TRF-1 entendeu que as associações de proteção veicular não se enquadram nesse dispositivo, uma vez que sua finalidade é administrar fundos coletivos para rateio de prejuízos, sem o objetivo de lucro ou comercialização de seguros.
Além disso, o Enunciado nº 185 da III Jornada de Direito Civil reforça a legitimidade dessas associações ao declarar que a disciplina do Código Civil e das normas previdenciárias não impede a formação de grupos restritos de ajuda mútua, desde que baseados na autogestão.
4. Doutrina e Jurisprudência
A doutrina jurídica corrobora a distinção entre mutualismo e seguros comerciais. Júlio Fabbrini Mirabete observa que, para haver justa causa em ações penais, é imprescindível a demonstração de elementos mínimos de prova, como o lucro ou a comercialização irregular. No caso das associações, não se verifica a presença de tais elementos.
A jurisprudência reforça esse entendimento. Em decisão análoga, o TRF-2 (Apelação nº 00149-70.2011.4.02.5101) decidiu que as associações de socorro mútuo são legítimas, desde que respeitem o caráter associativo e o princípio da autogestão. Da mesma forma, o Tribunal de Justiça de São Paulo (Apelação nº 0000920-87.2011.8.26.0648) destacou que essas associações não representam concorrência desleal às seguradoras, mas preenchem lacunas do mercado.
5. Considerações Finais
A decisão do TRF-1 traz importantes reflexões sobre o equilíbrio entre a regulamentação estatal e a liberdade associativa. As associações de proteção veicular, enquanto entidades que promovem a solidariedade financeira, são uma alternativa válida para indivíduos que buscam minimizar riscos de maneira acessível.
O acórdão deixa claro que a atuação dessas associações deve ser protegida, desde que observem rigorosamente seu caráter não lucrativo e associativo. Essa decisão não apenas garante a segurança jurídica dessas entidades, mas também incentiva práticas econômicas inclusivas e inovadoras.
Fonte: Tribunal Regional Federal da 1ª Região TRF-1 -RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (RSE): RSE0007885-87.2016.4.01.3800