Como proteger sua empresa, fortalecer sua reputação e crescer com segurança em um cenário de riscos e exigências cada vez maiores.
A conjuntura econômica do Brasil tem sido amplamente debatida, especialmente diante da instabilidade política marcada por escândalos de corrupção envolvendo figuras públicas e grandes corporações. Esse cenário tem gerado apreensão generalizada, principalmente entre os empresários, já que a instabilidade política interfere diretamente no desempenho econômico do país. A corrupção, tanto em seus efeitos diretos quanto indiretos, contribuiu significativamente para a intensificação dessa crise, que se instaurou de forma gradual e discreta, mas cujos danos, ao serem revelados, já se mostravam profundos e devastadores para a economia nacional.
Os impactos negativos desse comportamento corrupto são amplamente sentidos pela sociedade, extrapolando a esfera econômica e refletindo também nos setores de saúde, educação, geração de empregos e segurança pública. Especialistas econômicos apontam que, além das fragilidades no macro e microambiente econômico, a ausência de regulamentações eficientes e a ineficácia na aplicação de sanções para condutas ilícitas foram fatores determinantes para o agravamento da crise.
As consequências das práticas corruptas são evidentes em toda a estrutura do Estado. Se ampliarmos esse raciocínio para o ambiente empresarial, é fácil perceber como atitudes antiéticas dentro de uma organização também podem comprometer seriamente sua sustentabilidade, sua reputação no mercado e a confiança dos seus stakeholders.
Apesar de todo o impacto negativo causado pela crise, um aspecto positivo começou a emergir: a conscientização sobre a urgência de transformar a cultura vigente. Iniciou-se um movimento voltado ao fortalecimento e à efetiva aplicação de normas capazes de coibir práticas corruptas, além da necessidade de reeducar tanto os cidadãos quanto as empresas. Tornou-se evidente que atitudes antes vistas como inofensivas — como o simples ato de oferecer uma “gorjeta” para acelerar um processo — são, na verdade, formas de corrupção que alimentam um ciclo vicioso de ilegalidades cotidianas.
Etimologicamente, a palavra “corrupção” tem origem no latim corruptus, que remete à ideia de “quebrar em pedaços”, o que simbolicamente traduz a destruição ou degradação de algo ou alguém. Em um contexto ético e moral, corrupção pode ser compreendida como o ato de subornar — ou seja, oferecer vantagens indevidas com o objetivo de obter favorecimentos pessoais ou a terceiros, comprometendo valores, normas e condutas sociais, tornando-os imorais e antiéticos.
Para que o ato corrupto se concretize, geralmente há ao menos duas partes envolvidas: o corruptor, que propõe a prática ilegal, e o corrompido, que aceita realizá-la em troca de alguma vantagem. Entretanto, há casos em que outras figuras também participam, como o conivente — que, mesmo ciente da irregularidade, opta pelo silêncio — e o irresponsável — aquele que cumpre ordens sem saber que está colaborando com um esquema ilícito, muitas vezes subordinado a figuras de autoridade.
Embora o termo “corrupção” esteja majoritariamente associado à política, especialmente após a revelação de escândalos de grande repercussão nacional, é fundamental reconhecer que tais práticas estão presentes em diversos contextos da convivência humana, tanto no setor público quanto no privado.
Diante disso, compreendemos que o conceito de corrupção é multifacetado. E é a partir dessa complexidade que legisladores, juristas e especialistas constroem suas teorias e propõem soluções para combater os efeitos devastadores dessa prática.
No campo jurídico, o enfrentamento à corrupção e às práticas voltadas à sua prevenção tem avançado por meio da consolidação de normas específicas. Inicialmente, a corrupção era tratada dentro do escopo da Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei nº 9.613/1998).
Contudo, foi a partir da Lei nº 12.683/2012 que se verificou uma transformação significativa, sobretudo no que diz respeito à concepção e à implementação de programas de compliance. Essa alteração promoveu uma reestruturação substancial no tratamento penal relacionado à lavagem de capitais, ampliando o foco da responsabilização.
Logo após, com a promulgação da Lei nº 12.846/2013, conhecida como Lei Anticorrupção, o ordenamento jurídico brasileiro passou a prever de forma expressa a responsabilização civil e administrativa de pessoas jurídicas envolvidas em atos lesivos à Administração Pública.
Essa norma representou um marco no combate à corrupção empresarial, impulsionando mecanismos como o acordo de leniência e consolidando o compliance como instrumento de mitigação de riscos legais e reputacionais.
A Origem e Expansão do Compliance
O conceito de compliance teve origem nos Estados Unidos, ganhando notoriedade mundial com a criação, em 1977, da Foreign Corrupt Practices Act (FCPA).
Esta legislação foi uma resposta direta às denúncias de corrupção reveladas durante o escândalo de Watergate, que culminou com a renúncia do então presidente Richard Nixon.
As investigações revelaram que cerca de quatrocentas empresas americanas realizavam pagamentos ilícitos a agentes públicos estrangeiros para facilitar operações comerciais — uma prática até então amplamente tolerada nos bastidores do comércio internacional, mas que gerou forte repulsa da opinião pública e dos acionistas.
Apesar de a FCPA ter sido criada em um contexto interno específico, seus desdobramentos foram globais, inspirando tratados internacionais e leis nacionais, como a própria Lei Anticorrupção brasileira.
A partir da década de 1990, com a intensificação das transações globais e o avanço da globalização, a prática da corrupção transnacional tornou-se ainda mais evidente, afetando não apenas economias locais, mas a concorrência internacional, alimentando o crime organizado e perpetuando a atuação de organizações criminosas transnacionais.
Um Problema Global e a Resposta Internacional
Com o aumento da visibilidade dos escândalos, surgiram iniciativas de monitoramento e pressão internacional, como os Índices de Percepção da Corrupção e de Pagadores de Subornos, desenvolvidos pela organização não governamental Transparência Internacional. O tema passou a ser amplamente debatido em organismos como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, que reconheceram os impactos negativos da corrupção sobre o desenvolvimento econômico global.
Diante desse cenário, emergiu a necessidade de instituir um regime jurídico internacional de enfrentamento à corrupção, integrando diferentes nações na construção de políticas coordenadas, pautadas no compartilhamento de boas práticas, harmonização legislativa e cooperação técnica e penal.
Entre os instrumentos mais relevantes nesse contexto destaca-se também o UK Bribery Act, legislação britânica anticorrupção promulgada em 2010. A norma estabeleceu padrões rígidos ao prever sanções para o suborno ativo e passivo, tanto em contextos públicos quanto privados, abrangendo inclusive atos cometidos por agentes estrangeiros com o intuito de facilitar transações comerciais.
Em síntese, as políticas anticorrupção modernas têm como propósito consolidar um compromisso global no enfrentamento a essa prática nociva, promovendo sinergia entre os países, harmonização de normas e efetividade na punição de condutas que comprometem a ética, a moralidade administrativa e o desenvolvimento sustentável.
A implementação de políticas anticorrupção no âmbito das corporações transnacionais tem produzido efeitos relevantes na contenção de práticas ilícitas. A imposição de padrões de integridade e transparência promove um ambiente mais controlado e desfavorável à atuação de agentes corruptos.
Com isso, muitas dessas corporações, ao aderirem a tais políticas, passam a exigir que parceiros comerciais e países nos quais investem também adotem mecanismos semelhantes de prevenção, como condição para manter relações comerciais ou societárias.
Dessa forma, dissemina-se uma cultura de conformidade e integridade, ampliando a adesão às práticas anticorrupção e reduzindo os riscos de envolvimento com condutas que possam comprometer negócios futuros.
É imprescindível, no entanto, considerar as especificidades jurídicas, econômicas e culturais de cada país, respeitando os seus contextos concretos.
No caso brasileiro, a inserção na economia global exigiu a adoção de medidas de combate à corrupção, como condição para consolidar sua participação nos mercados internacionais. Nesse sentido, o Brasil aderiu a três importantes convenções internacionais, que estabelecem diretrizes e obrigações voltadas à repressão da corrupção em escala global:
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Convenção da OCDE sobre o Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais;
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Convenção Interamericana contra a Corrupção (CICC), da Organização dos Estados Americanos (OEA);
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Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (UNCAC).
Esses instrumentos jurídicos não apenas impõem compromissos aos Estados signatários, mas também geram recomendações e avaliações que buscam garantir a efetiva internalização e aplicação das medidas propostas. Assim, os países passam a adaptar seus ordenamentos jurídicos, instituindo reformas legislativas e mecanismos de fiscalização que assegurem o cumprimento dos padrões internacionais.
No contexto brasileiro, a adoção de tais medidas é relativamente recente, marcada pela necessidade de alinhar-se às exigências internacionais, especialmente após o crescimento do investimento estrangeiro direto. Contudo, a reputação do Brasil como um país marcado por uma “cultura de corrupção” impôs obstáculos adicionais à sua credibilidade internacional.
O fortalecimento do controle interno da corrupção em empresas brasileiras é essencial para atrair e manter investimentos externos. Investidores internacionais, oriundos de jurisdições com rígidas leis anticorrupção de aplicação extraterritorial — como o FCPA dos EUA e o Bribery Act do Reino Unido —, frequentemente realizam auditorias rigorosas (due diligence) antes de concretizar fusões, aquisições ou joint ventures. Essas diligências têm como finalidade verificar se há histórico de práticas ilícitas que possam comprometer os negócios e sujeitar o investidor a sanções em seu país de origem.
Portanto, a adoção de programas de compliance por empresas brasileiras que operam em âmbito global representa não apenas uma vantagem competitiva, mas também uma salvaguarda contra responsabilizações legais e prejuízos reputacionais. Empresas que almejam ampliar sua atuação internacional devem investir, de forma estratégica, na prevenção da corrupção.
É importante destacar, entretanto, que os tratados internacionais não possuem, por si sós, eficácia plena e automática. Sua efetividade depende da atuação concreta dos Estados signatários, por meio de reformas normativas, criação de órgãos de controle e fiscalização, e implementação de políticas públicas específicas.
Para garantir esse comprometimento, os organismos internacionais contam com mecanismos periódicos de avaliação e monitoramento da conformidade.
Por fim, além de fortalecer a imagem institucional do país, o combate eficaz à corrupção proporciona benefícios econômicos significativos, tanto na atração de investimentos quanto na proteção das empresas brasileiras que operam no exterior, contribuindo para um ambiente de negócios mais ético, estável e competitivo.
Definição e Finalidade do Compliance
A palavra compliance tem origem na expressão inglesa to comply with, que significa “estar em conformidade com”, ou seja, agir em consonância com regras, leis e diretrizes estabelecidas.
No ambiente corporativo, o Compliance representa um conjunto estruturado de práticas e mecanismos voltados à garantia de que a empresa, seus colaboradores e parceiros atuem de acordo com os preceitos legais, regulamentares e éticos, bem como com as normas internas previamente instituídas.
Trata-se, essencialmente, de um sistema de adequação jurídica e regulatória, que abrange não apenas o cumprimento da legislação vigente (nas esferas trabalhista, fiscal, ambiental, previdenciária, contábil, entre outras), mas também a implementação de processos internos preventivos e de monitoramento, visando assegurar a integridade das operações empresariais.
Dentre os principais objetivos estratégicos do Compliance, destacam-se:
- Garantia da conformidade contábil e financeira;
- Interpretação e aplicação de normas nacionais e internacionais;
- Gestão e revisão das políticas de recursos humanos;
- Elaboração de códigos de ética e conduta empresarial;
- Disseminação da cultura da integridade no ambiente corporativo;
- Fiscalização da segurança da informação;
- Realização de auditorias periódicas;
- Prevenção de fraudes e riscos reputacionais;
- Criação de canais de denúncia efetivos;
- Fortalecimento dos controles internos e da governança corporativa.
A prevenção da corrupção, especialmente no âmbito privado, reforça a necessidade de implantação de programas robustos de integridade, com códigos de conduta claros, regras de governança e mecanismos de responsabilização.
O Compliance, portanto, não apenas preserva a conformidade legal, mas agrega valor à reputação institucional, favorecendo a competitividade e a sustentabilidade da organização.
A estruturação de um programa de integridade eficaz requer o engajamento de toda a organização, desde a alta direção até os demais colaboradores, promovendo uma cultura de ética e responsabilidade compartilhada, que permeie todas as áreas da empresa.
Além disso, empresas que investem em Compliance observam um aumento significativo em sua eficiência operacional, produtividade e confiabilidade no mercado, posicionando-se de forma diferenciada em relação à concorrência.
Os Três Pilares do Compliance: Prevenir, Detectar e Corrigir
Um Programa de Integridade sólido se sustenta sobre três pilares fundamentais: prevenir, detectar e corrigir. Esses elementos formam a base do sistema de Compliance, orientando suas práticas e políticas institucionais.
- Prevenir
É o pilar central e mais estratégico do Compliance, pois visa evitar, de forma proativa, a ocorrência de atos ilícitos ou desvios de conduta. Envolve a criação de políticas internas, códigos de ética, treinamentos periódicos, procedimentos padronizados e mecanismos de controle que orientem o comportamento dos colaboradores e parceiros. O objetivo é cultivar um ambiente organizacional íntegro, onde as práticas sejam pautadas pela legalidade e pela ética.
- Detectar
Apesar da prevenção ser prioridade, é impraticável eliminar totalmente os riscos. Por isso, o segundo pilar tem como missão identificar falhas ou condutas indevidas que escapem aos mecanismos preventivos. A detecção se dá por meio de auditorias, investigações internas, análise de indicadores e canais de denúncia, garantindo que desvios de conduta sejam identificados de maneira célere e precisa.
- Corrigir
Uma vez detectada uma irregularidade, é essencial que ela seja prontamente corrigida, evitando danos maiores à empresa. A resposta deve ser pautada na responsabilização dos envolvidos, adoção de medidas disciplinares e revisão dos procedimentos internos. A correção eficaz reforça a credibilidade do programa de Compliance e contribui para o aperfeiçoamento contínuo do sistema, prevenindo reincidências.
Assim, o Compliance, mais do que um conjunto de obrigações formais, representa uma ferramenta estratégica de gestão corporativa, comprometida com a integridade, a sustentabilidade e a valorização da marca. Sua implementação eficaz é um diferencial competitivo essencial para empresas que desejam prosperar em mercados cada vez mais regulados e exigentes.
Ferramentas Essenciais de um Sistema de Compliance
Para assegurar a efetividade de um Programa de Integridade, é fundamental que ele se apoie em ferramentas estratégicas e operacionais capazes de garantir a conformidade, a prevenção de ilícitos e a consolidação de uma cultura ética sólida dentro da organização. A seguir, elencam-se os principais instrumentos:
Tone at the Top (O exemplo vem de cima)
Embora não seja uma ferramenta em sentido estrito, o compromisso da alta administração com os princípios da ética e da integridade é a base de um programa de Compliance robusto.
Líderes e gestores devem agir como modelos de conduta, demonstrando na prática a importância do respeito às normas e às diretrizes da organização. Essa postura fortalece o engajamento dos demais colaboradores e stakeholders, estabelecendo um padrão ético coletivo.
Código de Ética e Conduta
Trata-se do pilar normativo do sistema, no qual são definidos os valores, princípios e regras de comportamento esperados de todos os membros da organização. Deve abordar explicitamente o combate à corrupção, estabelecer diretrizes de atuação e prever sanções para desvios de conduta. O código precisa ser acessível, amplamente divulgado e periodicamente revisado, assegurando sua atualização frente à evolução normativa e ao contexto empresarial.
Políticas e Procedimentos de Compliance
Essas políticas detalham rotinas e critérios de atuação em diversas áreas, incluindo a verificação da integridade de terceiros, como fornecedores, consultores, distribuidores e representantes. Tais procedimentos devem incluir pesquisas em órgãos públicos (cartórios, tribunais, listas de sanções), além de ferramentas tecnológicas que ajudem a mitigar riscos relacionados à contratação de agentes públicos ou parceiros estratégicos.
Supervisão e Fiscalização Independente
A eficácia do programa depende da existência de um núcleo de Compliance com autonomia funcional, que possua acesso direto à alta direção e possa atuar com isenção. Esse núcleo será responsável por supervisionar a conformidade de todas as áreas da empresa, avaliar riscos e recomendar ações corretivas, com suporte institucional e recursos adequados para o desempenho de suas funções.
Mapeamento e Análise de Riscos
É imprescindível identificar os principais riscos relacionados ao setor de atuação, localidade geográfica, relação com o poder público e tipo de operação empresarial.
O mapeamento deve considerar contratos relevantes, especialmente os celebrados com entes públicos ou em países de alto índice de corrupção. Devem ser realizadas due diligences prévias em fusões, aquisições, parcerias ou contratações, com análise de legitimidade das atividades e valores envolvidos. Esse processo deve se estender também a terceiros intermediários, frequentemente utilizados para práticas de suborno.
Treinamentos Contínuos e Avaliações Periódicas
A capacitação constante dos colaboradores — inclusive dos altos executivos — é essencial para a efetividade do Compliance. Os treinamentos devem abordar situações práticas, apresentar cenários reais e oferecer soluções em conformidade com os princípios da empresa. A certificação dos participantes pode ser uma forma de estímulo e comprovação de adesão aos valores organizacionais.
Canais de Denúncia (Hotline)
Deve ser instituído um canal confidencial e acessível que permita o relato seguro e anônimo de irregularidades. A figura do ombudsman, encarregado de apurar denúncias e propor melhorias, é uma importante aliada nesse processo. Embora ainda não exista regulamentação específica sobre investigações internas no setor privado, é imprescindível que os procedimentos estejam alinhados ao ordenamento jurídico, sobretudo em matéria trabalhista e penal.
Auditorias Internas e Externas
As auditorias funcionam como instrumentos de verificação sistemática, permitindo identificar falhas, aperfeiçoar controles e demonstrar a eficácia do programa. Além de reforçarem a transparência, oferecem segurança jurídica e fortalecem a credibilidade institucional perante órgãos reguladores, parceiros e investidores.
Essas ferramentas, quando articuladas de forma integrada e contínua, transformam o Compliance em uma verdadeira estrutura de governança corporativa, que não apenas protege a organização contra riscos legais e reputacionais, mas também agrega valor à marca, promove a sustentabilidade dos negócios e fortalece a confiança no ambiente de mercado.
Implementação de um Sistema de Integridade (Compliance)
A adoção de um programa de integridade dentro de uma organização deve ser conduzida de forma estratégica e personalizada, considerando fatores como a cultura corporativa, o ramo de atividade, a localização geográfica, o perfil dos colaboradores, parceiros comerciais e investidores envolvidos. A eficácia do Compliance depende diretamente da adaptação às particularidades da empresa e da seriedade com que as diretrizes forem internalizadas.
Elementos Fundamentais para a Implementação
Para estruturar um sistema de integridade robusto, é indispensável:
- Instituir um Código de Ética e Conduta, acessível e compreensível por todos;
- Criar um comitê de integridade ou compliance, responsável por avaliar e deliberar sobre questões críticas;
- Disponibilizar um canal seguro de denúncias, que permita a identificação de fraudes e irregularidades;
- Definir processos e políticas internas voltadas à mitigação de riscos relacionados às operações empresariais.
Além disso, o programa deve incluir treinamentos contínuos e ações de conscientização, abrangendo todos os níveis da organização, desde os cargos operacionais até a alta direção. Todos devem ter pleno conhecimento das normas estabelecidas, promovendo uma cultura organizacional alinhada à ética, à legalidade e à transparência.
Participação Interna e Investimentos
A implementação pode ser realizada com recursos internos — por meio do engajamento de colaboradores para a elaboração do código de conduta, identificação de riscos e estruturação do canal de denúncias — ou com apoio externo, como a contratação de consultorias especializadas ou profissionais com expertise na área. O grau de investimento dependerá da realidade da empresa: porte, capacidade financeira e complexidade do setor em que atua.
Classificação dos Custos de Compliance
Conforme a doutrina de Marcelo de Aguiar Coimbra e Vanessa Alessi Manzi, os custos envolvidos na estruturação e manutenção de um programa de integridade podem ser divididos em três categorias:
- Custos de manutenção: Referem-se à sustentação do programa, como treinamentos, sistemas de comunicação, consultorias, certificações e ferramentas de gestão.
- Custos da não conformidade: Envolvem prejuízos decorrentes do descumprimento legal, tais como multas, ações judiciais, perdas financeiras, danos reputacionais e interrupções operacionais.
- Custos de governança: Incluem despesas com auditorias, manutenção de conselhos e comitês, controle de contratos com terceiros e gestão da reputação institucional.
Etapas para a Estruturação do Programa
A construção de um sistema de Compliance eficaz pode ser dividida em sete etapas estratégicas:
- Análise de riscos (Risk Assessment): Diagnóstico inicial com apoio de especialista para identificar vulnerabilidades do negócio.
- Elaboração do Código de Conduta: Documento claro, objetivo e de fácil compreensão, que reflita os princípios e valores da organização.
- Capacitação e comunicação interna: Treinamentos regulares, presenciais ou virtuais, e campanhas de engajamento com os colaboradores.
- Monitoramento constante: Avaliação permanente dos riscos por meio de auditorias e indicadores de integridade.
- Criação de canais de denúncia confiáveis: Estrutura segura e anônima, com proteção da confidencialidade das informações.
- Investigação e responsabilização: Apuração criteriosa de denúncias, com aplicação de sanções cabíveis aos envolvidos.
- Revisão e atualização do programa: Avaliação periódica das ferramentas, processos e políticas, com foco na melhoria contínua.
Disseminação e Engajamento Ético
A eficácia do programa de Compliance exige a adoção institucional do sistema, com integração aos processos de governança e gestão. O programa deve estar disponível por meio de ferramentas acessíveis, como a intranet, o site institucional e documentos corporativos oficiais. Também deve contemplar diretrizes sobre segurança da informação, restringindo o acesso indevido a dados sensíveis e preservando a integridade da comunicação interna.
Além disso, é essencial promover a reciclagem periódica dos colaboradores e a inclusão dos terceiros contratados nas políticas éticas da empresa, garantindo que todos estejam alinhados às exigências legais e aos valores da organização.
Chief Compliance Officer (CCO)
O Chief Compliance Officer (CCO) é o profissional responsável por liderar, implementar e fiscalizar a efetividade do Programa de Integridade dentro das organizações. Sua atuação é essencial para garantir que a empresa opere em conformidade com normas legais, regulatórias e éticas.
Para o desempenho dessa função, é recomendável que o CCO possua sólida formação técnica, com conhecimentos em legislação, finanças e nos processos do negócio.
Além do domínio técnico, esse profissional deve reunir características comportamentais estratégicas: ser firme na aplicação de normas e políticas internas, possuir habilidade de comunicação, empatia, escuta ativa e capacidade de construir relações de confiança com colaboradores e líderes. Afinal, ele será frequentemente procurado para ouvir relatos de condutas irregulares, receber críticas e sugestões de melhoria.
Contudo, para que o trabalho do CCO seja eficaz, é indispensável que o ambiente organizacional proporcione condições adequadas ao seu desempenho, garantindo-lhe autoridade, autonomia, acesso à alta direção, apoio institucional e assistência de um advogado empresarial. Apenas assim sua atuação poderá ser respeitada e legitimada em todos os níveis hierárquicos.
Aspectos Relevantes da Lei 12.846/2013 – Lei Anticorrupção
O ordenamento jurídico brasileiro dispõe de um conjunto de normas voltadas ao combate à corrupção, abrangendo responsabilidades administrativas, civis e penais, que podem, inclusive, ser cumulativas.
A promulgação da Lei nº 12.846/2013, conhecida como Lei Anticorrupção, representou um marco na responsabilização de pessoas jurídicas por atos lesivos à Administração Pública.
Regulamentada pelo Decreto nº 8.420/2015, a norma surgiu em consonância com compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, como a Convenção da ONU contra a Corrupção, e teve como objetivo central a repressão de práticas ilícitas no relacionamento entre empresas e o setor público.
A legislação introduziu o conceito de responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas, isto é, a responsabilização independe de dolo ou culpa, bastando a comprovação do ato lesivo.
Segundo o art. 1º da Lei, estão sujeitas à responsabilização todas as sociedades empresárias, independentemente da forma jurídica, incluindo sociedades irregulares, de fato, fundações, associações e até empresas estrangeiras com atuação no Brasil, ainda que de forma temporária.
Entre os principais atos sancionáveis estão o suborno de agentes públicos, fraudes em licitações, e demais ações que resultem em prejuízo à Administração Pública, nacional ou estrangeira. As penalidades incluem multas expressivas, publicação obrigatória da decisão condenatória, proibição de contratar com o poder público, entre outras sanções administrativas e civis.
Apesar de a Lei não prever responsabilidade penal direta das empresas, sua justificativa repousa na maior efetividade das sanções civis e administrativas, que possibilitam reparação ao erário, aplicação célere de penalidades e repressão mais eficiente a desvios em contratos administrativos.
Um dos grandes avanços da Lei 12.846/2013 é a previsão, no art. 7º, da possibilidade de atenuação das sanções caso a empresa disponha de um Programa de Integridade efetivo. Isso reforça a importância estratégica do Compliance, não apenas como medida preventiva, mas como elemento mitigador de responsabilidade e proteção reputacional.
A norma ainda se alinha aos princípios do Direito Penal e Processual Penal, como legalidade, tipicidade e ampla defesa, garantindo o devido processo legal mesmo na responsabilização das pessoas jurídicas.
A regulamentação da Lei, ocorrida em meio à eclosão da Operação Lava Jato — maior investigação de corrupção e lavagem de dinheiro da história do país — reforçou sua aplicação e relevância.
A operação revelou a dimensão sistêmica da corrupção no Brasil, envolvendo altas autoridades políticas, grandes empreiteiras e instituições públicas, impulsionando a necessidade de reformas estruturais no setor público e privado.
Por fim, destaca-se a distinção entre imputação e responsabilidade: a imputação é o ato jurídico que atribui a uma empresa a autoria de um fato ilícito, enquanto a responsabilidade é a consequência jurídica dessa imputação, que poderá ser de natureza administrativa ou civil, conforme o caso concreto.
Compliance e Governança Corporativa
A integração entre Compliance e Governança Corporativa representa um modelo de gestão que busca alinhar ética, transparência e responsabilidade aos processos decisórios e operacionais das organizações. É pacífico entre os melhores advogados empresariais que, no campo do Compliance, as noções de boa governança decorrem da interação entre o setor público e o privado, articuladas em redes que não se sustentam apenas pela hierarquia ou pela lógica de mercado, mas por uma gestão relacional, horizontal e colaborativa.
Essas redes operam com instrumentos prescritivos de boas práticas, promovendo critérios mais eficazes de gestão e controle organizacional. A implementação de um sistema de Compliance, portanto, exige planejamento estratégico e deve ser adaptado à realidade de cada empresa, considerando seu porte, segmento de atuação, perfil de riscos e estrutura interna.
Não há espaço para modelos genéricos ou soluções padronizadas; a eficácia está na personalização e alinhamento com a cultura corporativa.
Nesse contexto, o Compliance atua como pilar da construção de confiança, elemento central da governança. Ao adotar e aplicar um Código de Conduta, a organização estabelece parâmetros de comportamento que devem ser replicados não apenas internamente, mas também junto a fornecedores, parceiros e demais stakeholders.
Contudo, o comprometimento da alta administração — o chamado tone at the top — é determinante. É a postura da liderança que norteia a conduta dos demais colaboradores, gerando um efeito multiplicador e consolidando a cultura ética na organização.
O primeiro passo para a consolidação de um programa de integridade eficaz deve ser a manifestação formal da alta direção, demonstrando de maneira inequívoca o compromisso da empresa com os princípios da ética, da transparência e da conformidade legal.
A comunicação constante, clara e assertiva deve permear todos os níveis hierárquicos, garantindo que o Compliance se torne um valor cotidiano, incorporado às práticas de gestão e ao comportamento empresarial.
A autoavaliação da liderança também se mostra essencial para identificar pontos de melhoria e promover ações alinhadas ao discurso institucional. Compromisso, coerência e consistência entre o discurso e a prática são imprescindíveis para assegurar a legitimidade e a credibilidade do programa de integridade.
Ademais, estar à frente em matéria de Compliance permite maior agilidade no lançamento de produtos e serviços, além de proporcionar vantagem competitiva ao operar em conformidade com as exigências regulatórias e com as expectativas do mercado. A percepção de que a rentabilidade de longo prazo está diretamente relacionada à integridade organizacional tem sido cada vez mais aceita por gestores e investidores, consolidando o Compliance como fator determinante de sustentabilidade empresarial.
Conclusão
Diante do aprofundamento teórico e prático sobre o tema, conclui-se que a adoção do Compliance como prática empresarial estruturada representa uma resposta eficaz à necessidade de mitigar riscos, prevenir condutas ilícitas e preservar a integridade das organizações.
A existência de um programa de integridade bem implementado reduz a incidência de atos corruptos e resguarda não apenas o patrimônio financeiro da empresa, mas também sua reputação, considerada um de seus ativos mais valiosos.
Num cenário marcado por escândalos de corrupção e crescente descrédito nas instituições, tanto no Brasil quanto no exterior, a sociedade passou a exigir condutas mais éticas e transparentes por parte dos agentes econômicos.
Nesse sentido, a criação e entrada em vigor da Lei nº 12.846/2013 – Lei Anticorrupção insere o país em um movimento global voltado à moralização das relações entre o público e o privado.
O combate à corrupção deve ser uma tarefa coletiva. O setor privado precisa zelar pela função econômica da empresa, resgu’ardando o negócio e os interesses legítimos dos envolvidos, enquanto o setor público deve fomentar iniciativas de integridade, promover ambientes regulatórios seguros e eliminar zonas de impunidade.
A confiança é o elo central das relações econômicas. Construída com base em condutas passadas, ela condiciona as expectativas futuras. Assim, empresas éticas devem buscar relacionar-se com parceiros igualmente éticos, promovendo um ecossistema íntegro de negócios.
O Compliance, nesse contexto, deve ser compreendido não apenas como uma política interna, mas como um compromisso cultural e institucional com a integridade.
Além disso, o programa de Compliance é preventivo por excelência. Ao identificar e mitigar riscos, evita a n’ecessidade de recorrer a mecanismos corretivos como o Acordo de Leniência, que, embora eficaz, somente é utilizado após a constatação de infrações.
Portanto, o Compliance deve ser adotado por todas as empresas, independentemente do porte ou setor. A corrupção não se restringe a grandes escândalos; ela pode estar presente nos pequenos atos do cotidiano, como o oferecimento de vantagens indevidas para facilitar trâmites administrativos. Ignorar esse risco é escolher o caminho mais oneroso: remediar ao invés de prevenir.
A institucionalização do Compliance tem se mostrado um fator de estabilidade econômica, refletindo em impactos positivos não só para as organizações, mas também para a sociedade. Ao promover transparência, responsabilidade e controle, contribui para a construção de um país mais justo, competitivo e respeitado no cenário internacional.
Por fim, destaca-se que o fortalecimento da cultura da integridade, especialmente no setor público, é imprescindível para garantir o controle social, elevar o grau de confiança institucional e consolidar o Brasil como um país comprometido com a ética e o desenvolvimento sustentável.
Wander Barbosa é advogado e estrategista jurídico de negócios, com mais de uma década de experiência em estruturação empresarial, Compliance e defesa de empresas. Sócio-fundador do Barbosa & Veiga Advogados Associados, atua com foco na transformação de empresas por meio de soluções legais eficazes e sustentáveis