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Dever prévio de Esclarecimento no Contrato de Franquia

Dever de informação nos contratos de franquia

Causas de nulidade no contrato de franquia

1 Introdução

Advogado Especialista em FranquiasEm análise às diversas causas de nulidade nos contratos de franquia, trago para vocês um excelente artigo, publicado na Revista dos Tribunais, que trata de causas de nulidade nos contratos de franquia, com ênfase na ausência de obediência ao dever de informação constante destes pactos e que, eventualmente, tornam-se em elemento essencial na tomada de decisão.

Entendemos que, previamente a sua assinatura, deve o contratante certificar-se de aderir ao negócio jurídico munido de todas as informações pertinentes, especialmente o risco a ser assumido em razão das obrigações ali contratídas, bem como, a ausência de cláusulas que evidenciem a integralidade do negócio e a requisição de informações pertinentes ao franqueador quando do recebimento da COF.

A presença do Advogado Especializado em franquia é primordial para o sucesso do negócio.

 

 

Este artigo trata sobre o dever de esclarecimento por parte do franqueador e a possível extinção do contrato de franquia previsto em sua legislação específica, a Lei 13.966/2019, a Lei de franquia.

De acordo com o artigo 2º da Lei de Franquia, “franquia empresarial é o sistema pelo qual um franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício.”

Antonio Junqueira de Azevedo e Francisco Paulo de Crescenzo Marino, ao atualizarem a obra “Contratos”, de Orlando Gomes, indicam que o contrato de franquia é de duração, e, a despeito de não exigir colaboração entre as partes como objeto, exige colaboração intensa para atingir os seus fins. Orlando Gomes já apontava o contrato de franquia como figura autônoma e híbrida.

João de Matos Antunes Varella destaca que a relação obrigacional, em geral, diz-se una ou simples quando abrange o direito subjetivo atribuído a uma pessoa e o dever jurídico ou estado de sujeição correspondente, que recai sobre o outro e, por outro lado, complexa ou múltipla, quando abrange o conjunto de direitos e de deveres ou estado de sujeição nascidos do mesmo fato jurídico. Destaca que a ideia radicada na literatura moderna denota que a obrigação, na sua acepção mais ampla, compreende todos os poderes e deveres variáveis de momento para momento e que vão se constituindo no seio da relação. Este entendimento levou Karl Larenz, apoiado em Hartmann a desenvolver a concepção da obrigação como estrutura ou como um processo(um Gefüge).

 

A doutrina jurídica alemã parece compreender a natureza jurídica do contrato de franquia de forma semelhante ao entendimento brasileiro. Exemplo é Reinhard Richardi, o qual considera o contrato de franquia como relação obrigacional de duração entre duas empresas, com elementos de locação, compra e prestação de serviços, por exemplo. Além disso, Reinhard Richardi aponta para a sua natureza autônoma, bem como atípica, envolvendo manifestações de vontade uniformemente externalizadas, com concomitante dependência entre as partes em sua relação interna.

Reingard Richardi enquadra o contrato de franquia enquanto modalidade dos contratos mistos (gemischte Verträge), os quais são aqueles cujos programas de prestações estão unificados em uma forma, a qual não corresponde a nenhum contrato-tipo, contanto que o programa de prestação pertença a diferentes – normativas ou empíricas – ordenações contratuais.

A respeito de sua legislação, a Lei de franquia brasileira dispõe que havendo interesse na implantação do sistema de franquia empresarial, o franqueador deverá fornecer ao interessado em tornar-se franqueado uma circular de oferta de franquia (COF), por escrito e em linguagem clara e acessível, apresentando informações obrigatórias em seu bojo.

O contrato de franquia poderá ser celebrado por instrumento particular, na presença de duas testemunhas, e deverá apresentar, entre outras informações, conforme o artigo 3º da Lei de franquia: histórico resumido, forma societária e nome completo ou razão social do franqueador, balanços e demonstrações financeiras da empresa franqueadora relativos aos dois últimos exercícios, indicação precisa de todas as pendências judiciais em que estejam envolvidos o franqueador, descrição detalhada da franquia, descrição geral do negócio e das atividades que serão desempenhadas pelo franqueado; requisitos quanto ao envolvimento direto do franqueado na operação e na administração do negócio, informações claras quanto a taxas periódicas e outros valores a serem pagos pelo franqueado ao franqueador ou a terceiros por este indicados.

Nesse sentido, a COF parece estar inserida no momento de negociação preliminar, sendo anterior ao pré-contrato (se houver), ou ao contrato de franquia – o que a Lei de franquia também denomina de “contrato-padrão” ou pré-contrato padrão – como se depreende pelo fato de o interessado estar impulsionado a implementar um sistema de franquia empresarial, buscando obter informações a seu respeito. Por essa razão, parece Antonio Junqueira de Azevedo6 ter se referido ao contrato de franquia enquanto possível contrato relacional, pois apresenta peculiar dever de concretização da lealdade entre as partes.

Além disso, observe-se que o artigo 4º indica a necessidade de entrega da COF com antecedência mínima de dez dias anteriores à assinatura do contrato ou pré-contrato de franquia, ou ainda do pagamento de qualquer tipo de taxa pelo franqueado ao franqueador ou a empresa ou pessoa ligada a ele.

De qualquer modo, a COF deve ser entendida como elemento da obrigação de franquia. Há que se ressaltar que ainda que não seja entendida como elemento nuclear desta relação contratual complexa que é a franquia, a COF tem inegável e evidente relevância nesta seara. Karl Larenz explica que, em geral, as relações obrigacionais exigem uma prestação delimitada, no entanto, em alguns casos, poderemos deparar-nos, na relação, com a necessidade de alguns deveres que o autor chama de deveres secundários (deveres de conduta). Tem-se, então: o dever primário, que é a prestação delimitada que dá sentido e significação à obrigação e, ainda, o dever secundário, que se consubstancia em deveres de conduta. Larenz complementa, ainda, que os deveres de conduta pautam-se na preparação da real prestação e na maneira de sua execução, ocupando-se da consideração e da combinação de ambas as partes, e que podem ser razoavelmente esperados por elas em razão de sua relação obrigacional.

Clóvis do Couto e Silva, também disserta sobre os ditos deveres secundários, resultantes da incidência do princípio da boa-fé, pois que nascem desse desdobramento da boa-fé e têm sido chamados em doutrina como deves anexos, secundários e instrumentais (Nebenpflichten). Algumas das obrigações anexas têm como particularidade mais importante a garantia do adimplemento da obrigação principal.

Consoante destaca Clóvis, tentou-se criar um sistema geral de obrigações, incluindo-se as obrigações tidas como anexas. Para alguns, teriam um grau de sanção menor. Os deveres secundários, pois, comportam tratamento que abranja toda a relação jurídica. Assim, podem ser examinados durante o curso ou o desenvolvimento da relação jurídica, inclusive antes de sua formação e, em certos casos, posteriormente ao adimplemento da obrigação principal. Nessas relações, portanto, a confiança e boa-fé recíproca e a diligência no cumprimento da atividade ganham maior significação, podendo a parte denunciar quando um desses deveres for rompido. São circunstâncias que à evidência merecem proteção: a) deveres de indicação e esclarecimento: o dever de esclarecimento, como seu nome indica, dirige-se ao outro participante da relação jurídica, para tornar clara certa circunstância de que o alter tem conhecimento imperfeito ou errôneo, ou ainda ignora totalmente. Não se trata de dever para consigo mesmo, mas em favor de outro. Esses deveres de esclarecimento têm como objeto uma declaração de conhecimento. Constituem-se em resultado do pensamento cognitivo e não volitivo e, por esse motivo, possuem somente caráter declaratório; b) deveres de cooperação e auxílio – todos os deveres anexos podem ser considerados como deveres de cooperação. Alguns autores, porém, costumam dar significado restrito a esses deveres, de modo a abranger somente aos deveres de auxílio, entendidos como aquelas hipóteses em que o fim somente pode ser obtido com a cooperação mútua.

 

Dessa forma, Karl Larenz, referindo-se a uma decisão judicial do Tribunal Federal alemão (Bundesgerichtshof – BGH), discorre que o dever de prestar informação (Pflicht zurAuskunfterteilung) “decorre da cláusula de boa-fé alemã, disposta em seu § 242 do Código Civil alemão (BGB), na qual a parte contratante, de forma desculpável, não tem certeza sobre a existência e extensão de seu direito e por isso depende da informação da outra parte, a qual pode prestá-la facilmente”.

Explica, ainda, que os deveres anexos dividem-se em: dependentes e independentes, e que essa diferença tem seu fundamento na verificação de que alguns deles são suscetíveis de ultrapassar o término da obrigação principal, e terem assim autonomia existencial. As particularidades desses deveres anexos e autônomos, de poderem ser acionados independentemente da obrigação principal e de perdurarem alguns deles, ainda, após o seu término, é circunstância de terem fim próprio, diverso da obrigação principal. Karl Larenz indica a possibilidade de existência de deveres laterais, quando uma das partes “confia os seus bens à outra”, e, no caso do contrato de franquia, tal pode-se verificar pois a franqueadora confia à franqueada o “saber-fazer” de seu negócio. Outro possível dever lateral é o contrato de franquia dispor cláusula de não concorrência por parte da franqueada, finda a relação contratual principal.

Na hipótese do não cumprimento da referida entrega da COF, o franqueado poderá suscitar a anulabilidade do contrato ou do pré-contrato, exigindo a devolução de todas as quantias já pagas ao franqueador ou a terceiros por ele indicados, mais perdas e danos.

Tal hipótese também poderá ser aplicada se o franqueador transmitir informações falsas na COF, sem prejuízo das sanções penais cabíveis, segundo o artigo 7º da Lei de Franquia.

Imagine-se que a COF não foi entregue, ou foi entregue de forma incompleta ou com informações incorretas, e houve pré-contrato ou contrato de franquia baseado em suas informações. Note-se que o que poderá ser anulado é o pré-contrato ou o contrato de franquia, e não a COF.

O contrato-padrão de franquia, e/ou por consequência, possivelmente também o seu pré-contrato, deverá incluir anexos e texto completo, mas a Lei de franquia parece concretizar o dever de esclarecimento do franqueador em um período anterior à assinatura do pré-contrato ou do contrato, demonstrando, mais uma vez, estar a COF inserida em âmbito de negociações preliminares, e que culminarão na assinatura do contrato ou do pré-contrato.

A negociação preliminar mencionada nessa lei parece ser sui generis, pois já necessita que a proposta seja séria, exata e bem informada, precedendo à assinatura do contrato ou pré-contrato. Todavia, pergunte-se: a COF, instrumento dessa negociação preliminar, é essencial para a celebração do contrato de franquia?

Como será demonstrado neste trabalho, verificar-se-á que a ausência de COF não implicará invalidade do contrato. Todavia, a falta de COF com o conteúdo informacional previsto pela lei, poderá implicar anulação do pré-contrato ou do contrato, pois a sua inexatidão revela falta de fiabilidade na comunicação de vontade.

Diante disso, no momento de suas negociações preliminares, é exigido o cumprimento do dever de esclarecimento por parte do franqueador, o qual restará consubstanciado por intermédio da COF.

Deve-se salientar que a negociação preliminar se difere do pré-contrato. A negociação preliminar ou tratativa é anterior à celebração do contrato, enquanto o pré-contrato já é contrato preliminar. O pré-contrato deverá conter os mesmos requisitos do contrato definitivo, pois é a sua causa, apresentando como obrigação a de celebrar contrato definitivo. Ambos podem gerar imputação de responsabilidade civil, mas a doutrina brasileira se pergunta se a imputação de responsabilidade civil em sede de negociação preliminar poderia advir da lógica contratual, pois ainda não há contrato ou pré-contrato celebrado.

O Enunciado IV aprovado pelo Grupo de Câmaras Reservadas de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo prevê que “a inobservância da formalidade prevista no art. 4 da Lei nº 8.955/94 (LGL\1994\76) pode acarretar a anulação do contrato de franquia, desde que tenha sido requerida em prazo razoável e que haja comprovação do efetivo prejuízo”.

A justificativa do referido Enunciado leva em consideração julgados recorrentes que reconheceram que a ausência da entrega da COF não gera, per se, a anulação do contrato, tendo em vista contratos já terem sido celebrados há dois anos, por exemplo, devendo o franqueado demonstrar que a falta do documento foi decisiva para o insucesso das atividades desenvolvidas.

A referida justificativa também conclui que

“o que dá ensejo ao pleito anulatório é a falta de informação relevante, não a satisfação ou insatisfação do franqueado em relação à execução do contrato, não se justificando que, após certo tempo de execução, este, inopinadamente, requeira a anulação”.

Além disso, em sua justificativa, indica-se que tendo em vista a Lei de Franquia possibilitar a anulação do contrato de franquia, e não a declaração de sua nulidade, não seria a COF essencial para a formação do contrato de franquia.

2 Considerações do direito alemão sobre o tema

Em razão da Alemanha não apresentar uma legislação específica a respeito do contrato de franquia, em julho de 2013, a Câmara Federal alemã de advogados (Bundesrechtsanwaltskammer, BAK) emitiu tomada de posição a respeito da necessidade de existir referida legislação.

O documento produzido pelo seu corpo de advogados, consubstanciado na Tomada de Posição 16/2013, respondeu a algumas perguntas a respeito do tema, constatando-se que o contrato de franquia é frequentemente concluído a partir de uma estrutura com peso informacional desbalanceado.

Tendo em vista a vulnerabilidade fática do franqueado, concluiu-se que é importante que na prática sejam considerados os deveres prévios de esclarecimento do franqueador (vorvertragliche Aufklärungspflichten).

Dessa forma, quem dá a franquia (Franchisegeber), é geralmente uma grande empresa que apresenta vários contratos de franquia celebrados; e quem toma a franquia (Franchisenehmer), por outro lado, fundado existencialmente sem conhecer as particularidades do objeto de franquia.

O documento também diagnosticou que raramente é considerada de forma prognóstica a indenização advinda de tal situação carecida de informações fornecidas pelo franqueador. Dessa forma, o confronto com a fase pré-contratual do contrato de franquia foca-se exclusivamente na existência isolada do dever de informação. Mais raramente, investiga-se sistematicamente a respeito da concretização dos deveres de informação. Stefan Feuerrigel indica que contanto sejam considerados deveres de informação, será remetido quase que de forma estereotipada à responsabilidade culposa de uma conclusão de contrato (culpa in contrahendo) por violação a esses deveres. Além disso, Stefan Feuerrigel menciona o comentário do jurista Michael Martinek, o qual se remete a um “escapismo das cortes superiores (höchstrichterlichen Entscheidungeskapismus) a respeito da temática”.

Considerando que a Alemanha não apresenta legislação específica a respeito do contrato de franquia, menciona a doutrina decisão representativa sobre o tema do Tribunal europeu, de 1986 (Pronuptia), e que originou o Regulamento (CEE) n. 4087/88, relativo a certas categorias de acordos de franquia.

Esse regulamento conceitua a franquia como: “um conjunto de direitos de propriedade industrial ou intelectual relativos a marcas, designações comerciais, insígnias comerciais, modelos de utilidade, desenhos, direitos de autor, saber-fazer ou patentes, a explorar para a revenda de produtos ou para a prestação de serviços a utilizadores finais”.

Além disso, o regulamento esclarece que o acordo de franquia é definido como um acordo pelo qual uma empresa, o franqueador, concede a outra, o franqueado, mediante uma contrapartida financeira directa ou indirecta, o direito de explorar uma franquia para efeitos da comercialização de determinados tipos de produtos e/ou de serviços; inclui, pelo menos, obrigações relativas: – ao uso de uma designação ou insígnia comum e à apresentação uniforme das instalações e/ou dos meios de transporte previstos no contrato, – à comunicação ao franqueado, por parte do franqueador, de saber-fazer, – à prestação contínua de assistência comercial ou técnica ao franqueado por parte do franqueador, durante a vigência do acordo.

Ressalte-se que o contrato de franquia tem como objeto o saber-fazer, definido um conjunto de conhecimentos práticos não patenteados, decorrentes da experiência do franqueador, e verificados por este que é secreto, substancial e identificável, o qual permitirá que o franqueado melhore a sua posição concorrencial.

A Alemanha conta com a atuação da Associação Alemã de Franquias (Deutschen Franchiseverbands), sendo mencionada grande atuação de seu vice-diretor, Jan Schmelzle para com os Tribunais alemães. No Brasil, há a esse respeito também a atuação da Associação Brasileira de Franchising (ABF).

A Lei de franquia brasileira trata apenas da anulação do contrato, não prevendo outras formas de sua extinção, que não por vício presente no momento de sua celebração, como é o caso de sua possível anulação. Para pensar em outras formas de anulação, recorrer-se-á ao Código Civil (LGL\2002\400) brasileiro.

A título de curiosidade, no Direito alemão, a possibilidade de extinção do contrato de franquia aparece conjugando os § 89 do Código Comercial alemão (HGB), referindo-se ao término da representação comercial, e o § 620 do Código Civil alemão (BGB), o qual se refere à extinção da relação contratual decorrente de relação jurídica decorrente de prestação de serviços.

3 Decisão judicial do Tribunal de Justiça de São Paulo

A 1ª Câmara de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) julgou em 17.04.2019 a Apelação Cível, na qual os franqueados haviam ajuizado ação de anulação contra a franqueadora Chocolateria Brasileira LTDA ME, pedindo o pagamento de cláusula penal pré-fixada, e perdas e danos. A ação havia sido proposta em 13.04.2016, e os franqueados pleitearam a anulação, ou, subsidiariamente, a rescisão do pré-contrato de franquia firmado entre as partes em 23.04.2015 para operação de uma loja de chocolates e produtos afins da marca “Chocolateria Brasileira”.

Apesar de não ter havido contrato de franquia com a subscrição das partes, havia pré-contrato, bem como Circular de Oferta de Franquia (COF), anexados.

Primeiramente, foi considerado que o pedido de declaração de nulidade do pré-contrato não seria possível, tendo em vista a Lei de franquia prever sobre a sua possível anulação. Além disso, adicionou-se que é necessário levar em consideração o tempo decorrido desde a entrega da COF e o pedido de anulação do contrato, sendo necessário demonstrar, em cada caso, o nexo entre a conduta omissiva do franqueador e o prejuízo alegado pelo franqueado.

Restaram constatados vícios na COF, relativos à falta dos balanços e demonstrativos relativos aos últimos 2 anos e à ausência da relação completa dos franqueados que se desligaram nos últimos 12 meses e dos fornecedores e da política de treinamento dos funcionários.

Além disso, não se reconheceu o efetivo prejuízo decorrente desses vícios da COF, e nem a possível invalidação do pré-contrato de franquia, posto que a relação contratual entre as partes perdurara por 8 meses, apesar da omissão inicial dessas informações.

Julgou-se, dessa forma, pelo reconhecimento de inadimplemento contratual, ensejando resolução do contrato de franquia, com base no artigo 475 do Código Civil (LGL\2002\400). Mencionou-se também que a cláusula penal compensatória já constituiria uma pré-fixação das perdas e danos, liberando o credor de provar os prejuízos sofridos até o referido limite.

A razão para o reconhecimento do inadimplemento contratual baseou-se, primordialmente, na verificação de que : 1. a franqueadora não emitia notas fiscais; 2. a franqueadora, em contrariedade ao previsto no contrato com a hipótese permissiva de reajuste de royalties, procedeu majoração acima do índice de inflação adotado no contrato; 3. a franqueadora majorou o percentual de royalties incidente sobre a receita sendo que sequer havia previsão contratual autorizativa.

Interessante mencionar que a ré-franqueadora argumentou que apenas teria violado obrigações acessórias do pré-contrato de franquia, como é o caso da ausência de emissão de notas fiscais, não tendo gerado prejuízos efetivos à parte franqueada.

Perguntemos: a COF concretiza o dever de esclarecimento prévio, indicando informações básicas sobre o negócio jurídico. Quando presente, tal COF apresenta em si informações que são anexas ao contrato, fazendo parte do objeto do conteúdo do contrato, não se referindo a aspectos acessórios.

Ao concretizar um dever lateral, a COF é exemplo de concretização da boa-fé entre as partes, de forma a não ignorar detalhe esclarecedor o negócio – concretizando a boa-fé subjetiva, pois o esclarecimento clareia a ignorância do interessado no negócio jurídico bilateral especializado, o qual envolve um saber-fazer.

Além disso, mencione-se que a decisão judicial referida também apresentou dificuldades em calcular possível perdas e danos a favor dos franqueados. Diante disso, reconheceu-se o pagamento da cláusula penal a favor dos franqueados, permitindo melhor prognóstico a respeito da origem das perdas e danos, pois ela já estava pré-fixada como perdas em danos na avença, o que pode demonstrar real dificuldade em calcular eventuais perdas e danos decorrentes da extinção do contrato de franquia em virtude de informações mal prestadas em momento essencial à celebração do contrato, como já pondera o Direito alemão.

4 Conclusões

O presente artigo buscou trazer comentários a respeito da concretização do dever prévio de esclarecimento por parte do franqueador, trazendo também atualizações – advindas do Enunciado IV aprovado pelo Grupo de Câmaras Reservadas de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo – a respeito da possível extinção do contrato de franquia, pois tal dever, concretizado por intermédio da circular de oferta de franquia (COF), não obedeceu aos requisitos básicos previstos pela Lei de Franquia.

Todavia, como foi demonstrado, a anulação do pré-contrato ou contrato de franquia tendo em vista a ausência não da COF, mas da COF gerada de forma esclarecida à outra parte, não gerará de forma automática a possibilidade de anular o negócio jurídico dela advindo. Poderá, diante disso, reconhecer-se outras formas de extinção do contrato a depender das circunstâncias do caso, como a sua resolução, combinando-se a extinção do contrato prevista no Código Civil (LGL\2002\400).

Observe-se que mesmo que a Alemanha não apresente legislação específica a respeito, este trabalho apontou possíveis aproximações reconhecidas por intermédio de estudo de sua doutrina jurídica, como é o caso da consideração de sua natureza jurídica, bem como a possível extinção de seu contrato ser solucionado em diálogo com o Código Civil (LGL\2002\400) respectivo do Direito alemão e do Direito brasileiro.

A Lei de franquia brasileira prevê a possibilidade de existência de pré-contrato ou de contrato de franquia. Além disso, prevê também a possibilidade de existir a COF como instrumento de esclarecimento de informações prévias ao negócio por parte da franqueadora. Não sendo a COF requisito essencial à celebração do pré-contrato ou do contrato de franquia, perguntamos no decorrer deste trabalho se ela é advinda de negociação preliminar entre as partes.

 

REFERÊNCIAS

ANTUNES VARELA, J. M. Das obrigações em geral. Coimbra: Livraria Almedina, v. 1.

FEUERRIEGEL, Stefan. Die vorvertragliche Phase im Franchising: eine rechtsvergleichende Untersuchung des deutschen und spanischen Rechts. Volume 111 de Münsteraner Studien zur Rechtsvergleichung. LIT Verlag Münster, 2004. 384p.

GERNHUBER, Joachim. Das Schuldverhältnis: Begründung und Änderung, Pflichten und Strukturen, Drittwirkungen. Mohr Siebeck, 1989.

GOMES, Orlando. Contratos. 26 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

Jornal Oficial das Comunidades Europeias. Regulamento (CEE) nº 4087/88 da Comissão de 30 de Novembro de 1988 relativo à aplicação do nº 3 do artigo 85º do Tratado a certas categorias de acordos de franquia

LARENZ, Karl. Derecho de obligaciones. Tradução de Jaime Santos Briz. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1958, v. 1, p. 13-45.

LARENZ, Karl. Lehrbuch des Schuldrechts. Erster Band. Algemeiner Teil. München: C.H. Beck, 1987.

MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé objetiva no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999.

MARTINEK, Michael. Moderne Vertragstypen. Franchising, Know-how-Verträge, Management und Consultingverträge. Band II. C.H.Beck. 1992.

MELO, Diogo L. Machado de. Cláusulas contratuais gerais (contratos de adesão, cláusulas abusivas e o Código Civil de 2002). São Paulo: Saraiva, 2008.

VON JHERING, Rudolf. Culpa in contrahendo ou indemnização em contratos nulos ou não chegados à perfeição. Tradução e nota introdutória de Paulo Mota Pinto. Coimbra: Almedina, 2008.

1

GOMES, Orlando. Contratos. 26 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 99.

2

GOMES, op. cit., p. 578.

3

ANTUNES VARELA, J. M. Das obrigações em geral. Coimbra: Livraria Almedina, v. 1, p. 41-56 (conceito de obrigação), 113-148 (natureza jurídica da obrigação e função da obrigação).

4

Disponível em: [https://www.uni-regensburg.de/Fakultaeten/Jura/richardi/Lehre/ws_05_06/ebert/SBT-5.pdf]. Acesso em: 14.06.2019.

5

GERNHUBER, Joachim. Das Schuldverhältnis: Begründung und Änderung, Pflichten und Strukturen, Drittwirkungen. Mohr Siebeck, 1989. p. 157-158.

6

GOMES, Orlando. Contratos. 26 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 99.

7

LARENZ, Karl. Derecho de obligaciones. Tradução de Jaime Santos Briz. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1958, v. 1, p. 13-45.

8

LARENZ, Karl. Lehrbuch des Schuldrechts. Erster Band. Algemeiner Teil. München: C.H. Beck, 1987. (tradução nossa). p. 138. Saliente-se que não é só o devedor que deve observar esses deveres, mas também o credor. São deveres de conduta, pois que excedem o próprio e estrito dever de prestação e que resultam para ambas as partes, além do expressamente pactuado, agir de acordo com a boa-fé e conforme as exigências do tráfico. Para Larenz, a vulneração culpável deste dever fundamenta uma obrigação de indenização e, em certas circunstâncias, o direito de resolver o contrato.

9

COUTO E SILVA, Clovis do. A obrigação como processo. São Paulo: José Bushatsky Editor, 1976, p. 71-142.

10

LARENZ, Karl. Lehrbuch des Schuldrechts. Erster Band. Algemeiner Teil. München: C.H. Beck, 1987. (tradução nossa). p. 138.

11

Ibidem, p. 139.

12

Expressão de Rudolf von Jhering, em seu clássico Culpa in contrahendo ou indemnização em contratos nulos ou não chegados à perfeição. Tradução e nota introdutória de Paulo Mota Pinto. Coimbra: Almedina, 2008. p. 39.

13

Alguns enunciados demonstram a polêmica a respeito, quais sejam: 1. Enunciado 170, da III Jornada de Direito Civil, o qual prevê que : “A boa-fé objetiva deve ser observada pelas partes na fase de negociações preliminares e após a execução do contrato, quando tal exigência decorrer da natureza do contrato”, Enunciado 25, da I Jornada de Direito Civil, dispondo que: “O art. 422 do Código Civil não inviabiliza a aplicação pelo julgador do princípio da boa-fé nas fases pré-contratual e pós-contratual”, e o Enunciado 24, da I Jornada de Direito Civil, indicando que: “Em virtude do princípio da boa-fé, positivado no art. 422 do novo Código Civil, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa”.

14

Disponível em: [https://www.conjur.com.br/dl/tj-sp-publica-quatro-novos-enunciados.pdf]. Acesso em: 14.06.2019.

15

Disponível em: [https://www.brak.de/zur-rechtspolitik/stellungnahmen-pdf/stellungnahmen-deutschland/2013/juli/stellungnahme-der-brak-2013-16.pdf]. Acesso em: 14.06.2019.

16

Ressalte-se que Judith Martins-Costa prefere a expressão “responsabilidade pré-negocial”, pois tal termo indicaria um problema, o qual pode ultrapassar o domínio dos contratos, podendo abranger os negócios jurídicos unilaterais e os atos-fatos ou “atos existenciais”. (MARTIN- COSTA, Judith. A boa-fé objetiva no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 472). Para este trabalho, está-se falando de problemas informacionais existentes no contexto contratual de franquia.

17

Disponível em: [https://www.conjur.com.br/dl/tj-sp-publica-quatro-novos-enunciados.pdf]. Acesso em: 14.06.2019.

18

Note-se que o presente artigo não busca explicar o conceito da culpa in contrahendo, e ressalva que tal conceito é concebido até mesmo como abrangido pelo § 311,2 do BGB (Código Civil alemão), o qual versa sobre relações jurídicas obrigacionais advindas de contatos sociais semelhantes.

FEUERRIEGEL, Stefan. Die vorvertragliche Phase im Franchising: eine rechtsvergleichende Untersuchung des deutschen und spanischen Rechts. Volume 111 de Münsteraner Studien zur Rechtsvergleichung. LIT Verlag Münster, 2004. (p. 34).

19

FEUERRIEGEL, Stefan. Die vorvertragliche Phase im Franchising: eine rechtsvergleichende Untersuchung des deutschen und spanischen Rechts. Volume 111 de Münsteraner Studien zur Rechtsvergleichung. LIT Verlag Münster, 2004. (p. 35).

20

Disponível em: [https://www.conjur.com.br/dl/tj-sp-publica-quatro-novos-enunciados.pdf]. Acesso em: 14.06.2019.

21

BRASIL. TJ/SP, AC: 00056393920178260281/SP, 0005639-39.2017.8.26.0281, Relator Alexandre Lazzarini, j. 17/04/2019, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, data de publicação: 22.04.2019.

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Dispõe o artigo 475 do Código Civil: “a parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos”.

Autoria desse artigo

Revista dos Tribunais | vol. 1009/2019 | p. 225 – 238 | Nov / 2019 | DTR\2019\40638

Fábio Vieira Figueiredo

Doutor e Mestre em Direito Civil Comparado pela PUC-SP. Especialista em Direito Empresarial (USJT) e Direito Contratual (PUC-SP). Professor concursado de Direito Civil e Direito Romano da Universidade Municipal de São Caetano do Sul. Professor de Direito Civil dos cursos de graduação da USJT – Universidade São Judas e dos cursos de pós-graduação da Escola Superior de Advocacia – ESA-OAB/SP. Cofundador e Diretor Acadêmico da EBRADI – Escola Brasileira de Direito. Coordenador do Núcleo de Direito Civil da Escola Superior de Advocacia – ESA-OAB/SP. Autor e coordenador de diversas obras jurídicas. fabiovfigueiredo@uol.com.br

 

Marcelo Tadeu Cometti

Bacharel em Direito pela PUC-SP, mesma instituição em que obteve os títulos de pós-graduado em Direito Empresarial e Mestre em Direito das Relações Sociais, subárea de Direito Comercial. Doutor em Direito Comercial pela USP. Professor de Direito Empresarial dos cursos de graduação da USJT – Universidade São Judas e dos cursos de pós-graduação do COGEAE da PUC-SP, da Escola de Direito da FGV e da EBRADI – Escola Brasileira de Direito. Cofundador e Diretor Acadêmico da EBRADI – Escola Brasileira de Direito. Autor e coordenador de diversas obras jurídicas. mtcometti@hotmail.com

 

Luciana Helena Gonçalves

Doutoranda na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FD-USP). Mestre pela Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP). Advogada. Professora de Direito Civil. lucianahgoncalves@gmail.com

 

Fernanda Galera Soler

Advogada e Consultora em São Paulo. Mestre em Direito Comercial pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FD-USP). Especialista em Propriedade Imaterial pela Escola Superior de Advocacia (ESA OAB/SP). fernandagalera@gmail.com

 

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