Alternativa acessível e eficiente, o modelo de proteção veicular permite que associados contem com segurança patrimonial sem os altos custos dos seguros tradicionais.
A crescente oferta de serviços de proteção veicular, sob a estrutura de associações e clubes de benefícios, tem gerado uma série de ações e debates sobre a legalidade de tais atividades. Esse contexto é particularmente relevante em face da atuação da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), órgão responsável pela fiscalização do mercado de seguros no Brasil. O presente artigo explora a decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região no caso envolvendo a Associação Plural Car Brasil Clube de Benefícios, e as implicações jurídicas da atividade de proteção veicular oferecida por associações, que, segundo a SUSEP, configuram prática de seguro sem a devida autorização legal.
A Fiscalização da SUSEP e o Mercado de Seguros
A SUSEP, instituída pelo Decreto-Lei nº 73/1966, é uma autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda e tem como objetivo garantir a legalidade e a solvência das operações no mercado de seguros, resseguros, capitalização e previdência privada aberta. No exercício desse poder, a SUSEP possui o dever de regular e monitorar a atuação de entidades que operam como seguradoras, aplicando sanções àquelas que violam as normas impostas ao setor.
No caso específico da Associação Plural Car Brasil Clube de Benefícios, a SUSEP ajuizou uma Ação Civil Pública, alegando que a associação estaria comercializando seguros de forma disfarçada, violando assim a regulamentação que exige que a oferta de contratos de seguro seja feita exclusivamente por sociedades anônimas devidamente autorizadas pelo órgão. A SUSEP argumenta que a associação, embora formalmente constituída como clube de benefícios, pratica atividades típicas de seguradoras, como a cobrança de mensalidades e a promessa de proteção contra danos patrimoniais, o que, de acordo com o órgão, caracteriza operação irregular de seguros.
A Decisão Liminar e a Suspensão das Atividades
O juízo de primeira instância concedeu uma liminar determinando que a associação interrompesse imediatamente a comercialização de qualquer modalidade de seguro, bem como a cobrança de mensalidades, taxa de rateio e outras despesas de seus associados. Além disso, foi ordenado que a associação comunicasse seus clientes sobre o teor da decisão, publicando-o em seu site e em outros meios de comunicação.
A liminar baseou-se em uma série de argumentos legais e doutrinários. De acordo com o Código Civil Brasileiro, um contrato de seguro é caracterizado pela obrigação do segurador de garantir o interesse legítimo do segurado, mediante o pagamento de um prêmio, contra riscos predeterminados (artigo 757 do CC). Assim, o contrato de proteção veicular oferecido pela associação foi interpretado como uma operação de seguro não autorizada, uma vez que atende aos requisitos legais de um contrato securitário, incluindo o mutualismo, que prevê a formação de um fundo comum para cobrir eventuais sinistros.
Argumentos da Associação e o Agravo Interposto
Em resposta à decisão liminar, a Associação Plural Car Brasil Clube de Benefícios interpôs um agravo de instrumento, sustentando que a suspensão das atividades de cobrança inviabilizaria o funcionamento da entidade, impossibilitando a cobertura dos custos já assumidos. Argumentou também que, sem as contribuições dos associados, a associação não teria condições de honrar as despesas decorrentes dos atendimentos já realizados.
A associação defendeu ainda que seu modelo de atuação se baseia no associativismo, no qual os associados contribuem mutuamente para formar um fundo de proteção veicular, e que sua atividade não deveria ser confundida com a de uma seguradora. No entanto, o tribunal entendeu que as práticas da associação se assemelham às de uma seguradora, dado o caráter das atividades e a promessa de indenização em casos de furto, roubo ou danos aos veículos dos associados.
Aspectos Jurídicos e Doutrinários
Diversos dispositivos legais e precedentes jurisprudenciais foram considerados na análise do caso. O Decreto-Lei nº 73/66 estabelece que apenas sociedades anônimas ou cooperativas, devidamente autorizadas, podem operar no mercado de seguros. Além disso, o Código Civil (art. 757) impõe que somente entidades legalmente autorizadas podem atuar como seguradoras, o que exclui associações de proteção veicular que não possuem tal autorização.
A doutrina destaca que o contrato de seguro visa proteger o segurado mediante o pagamento de um prêmio, transferindo o risco para o segurador. Essa transferência de risco caracteriza a atividade securitária, e o mutualismo é um dos fundamentos que tornam viável economicamente essa operação, conforme apontado por Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho. No caso em análise, o tribunal observou que o mutualismo presente na associação é um indício de que a entidade estaria operando como uma seguradora, ainda que sob a forma de associação de benefícios.
Precedentes Jurisprudenciais
A decisão foi reforçada por diversos precedentes do próprio Tribunal Regional Federal da 4ª Região e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, em casos semelhantes, entenderam que a oferta de proteção veicular configurava operação de seguro, sujeita à regulação da SUSEP. Em um dos precedentes citados, o STJ estabeleceu que a proteção veicular oferecida a um número ilimitado de interessados, mediante pagamento de mensalidade, se caracteriza como contrato de seguro, sendo necessária a autorização da SUSEP.
Conclusão
A regulação do mercado de seguros pela SUSEP visa proteger os consumidores e garantir a solvência das operações no setor, evitando práticas que possam prejudicar a economia popular. A decisão do TRF4 no caso da Associação Plural Car Brasil Clube de Benefícios representa um importante precedente na fiscalização de associações que oferecem proteção veicular. Ao qualificar a atividade de proteção veicular como uma operação de seguro, a decisão reafirma a necessidade de autorização legal para o exercício dessa atividade, evitando que entidades operem à margem da regulamentação e promovam concorrência desleal com as seguradoras devidamente constituídas.
Essa interpretação tem implicações significativas para o setor de associações e clubes de benefícios, uma vez que reforça a necessidade de conformidade com as normas de regulação e estabelece limites claros entre o associativismo e a atividade de seguro. A decisão também enfatiza que, embora o modelo de proteção veicular seja atraente para muitos consumidores, ele não está isento de riscos legais, especialmente quando falta a supervisão de uma entidade como a SUSEP.
Fonte: AGRAVO DE INSTRUMENTO – Nº 5035257-12.2024.4.04.0000/PR – https://www.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=principal&