Entenda as exigências legais e os principais riscos para atuar com proteção veicular de maneira segura e dentro da regulamentação.
Introdução
Nos últimos anos, a atuação de associações de proteção veicular tornou-se uma prática comum no Brasil, principalmente em resposta aos altos custos dos seguros automotivos tradicionais. Contudo, tais atividades enfrentam questionamentos jurídicos e regulatórios, principalmente pela Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), que busca coibir a prática de serviços característicos de seguro sem a devida autorização. Neste artigo, discutiremos o acórdão da Apelação nº 5009078-21.2014.4.04.7104, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), que reafirma a ilicitude das associações que atuam de forma análoga às seguradoras.
Fatos da Causa e Objetivo da Ação
A SUSEP ajuizou ação civil pública contra a Associação de Transportadores de Cargas Geral, alegando que a entidade, sob a justificativa de proteção veicular mutualista, oferecia serviços típicos de seguros, sem ser devidamente constituída como sociedade anônima e sem a devida autorização para operar. A agência reguladora argumentou que tal prática infringe as normas do Sistema Nacional de Seguros Privados, prejudicando a proteção dos consumidores e o mercado regulado. Em primeira instância, o pedido foi julgado improcedente, levando a SUSEP a recorrer ao TRF-4.
Natureza Jurídica da Proteção Veicular
O cerne da discussão gira em torno da caracterização das associações de proteção veicular. De acordo com o Código Civil, em seu art. 757, e o Decreto-Lei nº 73/66, apenas seguradoras constituídas sob a forma de sociedade anônima e autorizadas pela SUSEP podem operar seguros no Brasil. Em sua defesa, a associação alegou que sua operação se configurava como um sistema de ajuda mútua entre associados, fundamentando-se no Enunciado nº 185 da III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal. O referido enunciado reconhece que a disciplina dos seguros no Código Civil não impede a formação de grupos restritos de ajuda mútua, desde que caracterizados pela autogestão.
No entanto, o TRF-4, em consonância com o Superior Tribunal de Justiça (STJ), considerou que o oferecimento de proteção veicular aberto a um grupo ilimitado de pessoas descaracteriza o conceito de grupo restrito de ajuda mútua. Tal prática, portanto, se configura como atividade de seguro, devendo obedecer aos critérios normativos impostos às seguradoras.
Jurisprudência e Fundamentação Legal
O TRF-4, ao julgar o caso, fez referência ao art. 757 do Código Civil, que define o contrato de seguro e limita a operação de seguros a entidades legalmente autorizadas. Também foi mencionado o Decreto-Lei nº 73/66, que dispõe sobre a estrutura e funcionamento do sistema de seguros, reafirmando que a operação sem autorização infringe as normas da SUSEP e configura atividade ilícita.
A decisão também destacou que o STJ já se posicionou sobre casos similares, reafirmando que a oferta de proteção veicular com características de seguro — como cobrança de prêmio, previsão de exclusões, e criação de fundo de reserva — exige a constituição como seguradora. Ademais, o TRF-4 fez uso do conceito de “contrato de seguro” para evidenciar que as associações veiculares assumem a responsabilidade pelos riscos do associado, configurando, assim, uma atividade securitária.
Riscos ao Mercado e aos Consumidores
Um ponto central da decisão é o risco imposto aos consumidores que optam pela proteção veicular sem garantias jurídicas e financeiras adequadas. As associações de proteção veicular, por não serem reguladas, não possuem reserva técnica, o que compromete a garantia de pagamento em caso de sinistro. Além disso, a ausência de fiscalização e de parâmetros claros de atuação pode resultar em práticas abusivas e na falta de transparência, prejudicando o associado.
O acórdão reforça que a falta de regulamentação dessas atividades afeta não apenas os consumidores individuais, mas o mercado como um todo. A oferta indiscriminada de proteção veicular impacta a concorrência com seguradoras regulamentadas, que cumprem exigências financeiras e jurídicas.
Decisão e Sanções Aplicadas
Ao julgar a apelação, o TRF-4 deu parcial provimento ao recurso, declarando a ilicitude da atuação da associação ré. A decisão proibiu a entidade de continuar oferecendo ou comercializando qualquer forma de seguro, sob pena de multa para cada evento de descumprimento, e determinou a suspensão imediata das cobranças realizadas aos associados, sob pena de sanções adicionais.
A Corte também determinou que a associação informasse aos associados a respeito da decisão e divulgasse publicamente a suspensão das atividades de proteção veicular. Em relação ao pedido de desconsideração da personalidade jurídica para atingir o patrimônio dos administradores, o Tribunal entendeu que tal medida deveria ser analisada apenas no cumprimento da sentença, caso verificados os requisitos.
Conclusão
O julgamento do TRF-4 reafirma a interpretação da legislação brasileira em relação à prática de proteção veicular oferecida por associações não regulamentadas, que, ao exercerem atividades típicas de seguros, entram em conflito com o Sistema Nacional de Seguros Privados. Esta decisão fortalece a segurança jurídica, resguardando os consumidores dos riscos de contratos sem garantias e assegurando o equilíbrio no mercado de seguros. A posição do Tribunal, alinhada ao entendimento do STJ, evidencia a necessidade de intervenção regulatória sempre que se verificar a operação de contratos de risco sem a devida autorização.
Fonte: https://www.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=principal& – acórdão da Apelação nº 5009078-21.2014.4.04.7104