Entenda as implicações jurídicas e os desafios regulatórios enfrentados pelas associações de proteção veicular no Brasil, com foco nas exigências legais da SUSEP e nas recentes decisões judiciais sobre o tema.
O recente acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que manteve a decisão em agravo de instrumento no caso da UNIC Associação de Benefícios contra a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), traz à tona discussões cruciais sobre a legitimidade e regulamentação das atividades de associações que oferecem “proteção veicular”. A decisão reafirma o poder fiscalizador da SUSEP e a necessidade de regulamentação para evitar práticas que possam configurar contratos de seguro sem a devida autorização legal.
1. Contexto do Caso
O caso se originou quando a SUSEP, autarquia responsável pela regulação e fiscalização do mercado de seguros no Brasil, identificou que a UNIC Associação de Benefícios realizava atividades típicas de seguradora, sem a devida autorização. A SUSEP então ingressou com uma ação civil pública, que resultou na proibição da UNIC de comercializar novos contratos de “proteção veicular” e renovar os vigentes, entendendo-se que tais práticas violam o Decreto-Lei nº 73/66 e dispositivos do Código Civil, particularmente o artigo 757, que define o contrato de seguro.
Em contrapartida, a UNIC argumenta que suas atividades se limitam a uma associação de socorro mútuo, amparada pelo Enunciado nº 185 da III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, que permite a formação de grupos de ajuda mútua sob autogestão. A UNIC, assim, defende que não estaria sujeita ao regime jurídico das seguradoras.
2. Aspectos Jurídicos do Caso
Para analisar a atuação da UNIC e a intervenção da SUSEP, é crucial entender os dispositivos legais em jogo. O Decreto-Lei nº 73/66, que regulamenta o mercado de seguros no Brasil, exige que atividades tipicamente securitárias sejam exercidas por entidades autorizadas pela SUSEP e constituídas como sociedades anônimas. Essa regulamentação visa assegurar a solvência e a adequação técnica das seguradoras, protegendo o mercado e os consumidores contra riscos financeiros.
O artigo 757 do Código Civil define o contrato de seguro como aquele em que a seguradora, mediante o pagamento de prêmio, assume a obrigação de indenizar o segurado em caso de sinistro. A interpretação dada pela jurisprudência ao conceito de “grupo restrito de ajuda mútua” (Enunciado nº 185) exige que as associações sigam princípios de autogestão e limitem a adesão de novos membros a um círculo específico e fechado, diferenciando-se da comercialização ampla de seguros.
3. Jurisprudência e Doutrina
A jurisprudência recente tem mantido a visão restritiva quanto à atuação de associações como seguradoras sem a autorização da SUSEP. Em decisões semelhantes, o TRF4 já havia decidido pela manutenção de medidas liminares para impedir novas contratações por associações de proteção veicular. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) também ratificou a necessidade de regulamentação, declarando que tais associações não podem atuar como seguradoras sem autorização.
No presente caso, o tribunal se baseou em elementos que indicavam a natureza securitária das atividades da UNIC, apontando características como o pagamento de prêmio e cobertura em casos de sinistro, típicas de um contrato de seguro, e incompatíveis com um grupo de ajuda mútua.
4. Análise da Decisão Judicial e Impactos
A decisão do TRF4, ao manter a proibição de novas adesões à UNIC, busca proteger os consumidores e assegurar a viabilidade das operações existentes. Essa medida visa garantir que as associações de benefícios que atuam sem autorização não coloquem em risco a economia popular, especialmente diante da possibilidade de inadimplência de obrigações em longo prazo.
O tribunal observou que, embora a decisão possa impactar a continuidade das operações da UNIC, é uma medida prudente que evita a ampliação de atividades que ainda aguardam regulamentação. Destaca-se, assim, o papel essencial do poder regulador da SUSEP para resguardar a estabilidade financeira e os direitos dos associados.
5. Conclusão e Perspectivas Futuras
A decisão reforça a necessidade de que associações que atuam no setor de proteção veicular se adequem às normas vigentes ou restrinjam suas atividades aos parâmetros permitidos pela autogestão e o caráter restrito de adesão. Em um momento em que o setor de proteção veicular no Brasil encontra-se em expansão, a regulação é essencial para assegurar a proteção dos consumidores e garantir a legitimidade das práticas empresariais.
A intervenção da SUSEP destaca a importância de que essas associações busquem maior transparência e observem os requisitos de solvência e segurança financeira, protegendo o mercado e os indivíduos contra práticas que possam desvirtuar o propósito original da associação.
Fonte: https://www.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=principal& – Agravo de Instrumento nº 5032529-32.2023.4.04.0000/RS.